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Inês Albuquerque, sócia, escreve no Dinheiro Vivo online.

ivemos tempos difíceis. São tempos em que a premissa de trabalhar “em casa” já não é nem voltará a ser exclusiva para as mulheres que ficam a cuidar dos filhos ou para quem está de baixa médica. Ainda bem que assim é. Mas, afinal, neste carrossel que tem sido a atividade legislativa, com um epíteto de parêntesis – porque as medidas são anunciadas como provisórias e extraordinárias – o que é que vai ficar? Vai ficar o pesar, vai ficar o lamento de más decisões, pessoais, políticas, profissionais. Mas vai ficar ainda a Lei n.º 83/2021, de 6 de dezembro.

Esta Lei altera o Código do Trabalho, precisamente num tema que era quase marginal até então: o teletrabalho. Passou a ser a coqueluche dos institutos jurídicos para dar resposta à pandemia. Se o seu trabalho é maioritariamente desenvolvido num computador ou por qualquer meio telemático, certamente já esteve e vai voltar a estar em teletrabalho. É obrigatório para as funções que o permitam entre 25 de dezembro e 9 de janeiro e recomendado, pelo menos, até 31 de março.

Se em tempos se discutia a obrigatoriedade de as empresas continuarem a pagar o subsídio de refeição nesta situação, essa página foi virada e a caneta continuou a escrever. O novo regime de teletrabalho, que veio para ficar, mesmo quando a pandemia for apenas uma memória que queremos apagar, implica a compensação de todas as despesas adicionais emergentes da prestação do trabalho a partir de casa. Despesa que o trabalhador comprove que não tinha e que são fundamentais para o exercício do trabalho remotamente, como a aquisição e manutenção de equipamentos e sistemas, se o empregador não os fornecer, mas ainda o acréscimo de custos de energia e da rede instalada em condições de velocidade compatível com as necessidades de comunicação de serviço.

Não é um valor fixo, pelo que tem de ser solicitado, comprovado e deferido pela empresa, dando a lei a opção de se comparar as despesas deste tipo que o trabalhador tinha no mês homólogo do ano anterior. Uma regra de duvidosa e difícil concretização, seja para situações que não são comparáveis, seja pelo facto de ser arguível, mesmo quando o teletrabalho é acordado logo no momento inicial da celebração do contrato de trabalho. Não é uma componente da remuneração do trabalhador, mas é um custo da empresa, fiscalmente dedutível.

Mas, onde como é contabilizada?

Parece-nos que, salvo melhor parecer, eventualmente da Ordem dos Contabilistas Certificados, terá de ser descrita no recibo de remuneração do trabalhador, como despesa da empresa. Que tem de ser compensada ou reembolsada imediatamente após a sua realização, deixando margem para interpretar o imediatamente ou o momento da sua realização, cum grano salis, ou seja, parece-nos possível que se faça no momento em que se processar o recibo de vencimento imediatamente seguinte à aprovação da dita despesa e a pagar juntamente com este.

Para além desta polémica decisão, que a prática estabilizará – parece-nos que com o recurso a acordos para a prestação de teletrabalho ou Regulamentos Internos – é também reforçada a privacidade do trabalhador neste regime e alargado o âmbito das situações em que o teletrabalho deve ser deferido, para lá do mero acordo entre as partes.

Antevemos tempos desafiantes, para as empresas e para os trabalhadores. Para a sociedade, que se vai autorregulando nesta regulamentação frenética e pouco clara. Ao trabalhador, pede-se lealdade, diligência, zelo – no mesmo Código do Trabalho – mas o medo leva-nos a considerar que trabalhar afastado de colegas, de equipas de trabalho, de locais de partilha e convívio, é uma solução melhor. Será?

À empresa, pede-se que seja justa e razoável, transparente e que seja o garante dos direitos dos trabalhadores, pagando o que é devido, valorizando o mérito, mas não discriminando. Entre este caminho tortuoso, pede-se ainda que crie valor, que gere riqueza, que crie postos de trabalho estáveis. Será possível? Fácil não é, certamente, mas continuaremos a traçar o caminho juntos, no sentido de todos fazermos o nosso trabalho, da forma mais equilibrada possível.

Inês de Albuquerque, Advogada

 

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